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Friday, January 09, 2015

Quinquagésima Epístola

Uma cerveja na cidade - Cracóvia, Vitor Vicente, Janeiro de 2015

Dear K.,

Dada a sua natureza derradeira, escrevo-te esta quinquagésima epístola sob a forma de epílogo. Escrevo-a já em Cracóvia e envergonhado.
Escolher entre ti e Cracóvia tratou-se de escolher entre ter um nome ou ser um número e também entre viver fora das muralhas do mundo ou num lugar onde o mundo aconteceu (ou, devido ao turismo, ainda vai acontecendo). Estas escolhas, como tantas outras, acarretam o preço das consequências da nossa preferência. Entre exercer o verbo ter, o que nos tempos que correm traz-nos tanta importância.  Ou assumir o verbo ser de modo anónimo, por não haver outro de existir num mundo massificado como o nosso.
Há ainda um terceiro verbo. O de conquistar uma cidade, em cujas ruas eu agora caminho e antes apenas através da janela do autocarro. Especialmente essas primeiras ruas que se começam a ver, ao aqui chegar e como que anunciam uma certa charmosa ribalta. 
Tenho vivido momentos que valem todo o mundo que vi, que fazem que toda a vida tenha valido a pena. Nunca antes senti uma gratidão tão grande. Estou-te encarecidamente agradecido por te teres atravessado no meu caminho. 

Tuesday, January 06, 2015

Quadragésima Nona Epístola

Vista da despedida de Katowice, Vitor Vicente, Dezembro de 2014

Dear K.,

Além de que mais depressa compro um bilhete para a China do que vou ao restaurante chinês ao virar da esquina, também deverias saber da minha tendência para, enquanto me despeço das cidades, ir dormindo numa espécie de cidade emprestada.
De resto, as despedidas estão cheias de episódios com um significado que nos dá que pensar e que nos tira o sono. E que nos tornam as noites a sós tão sublimes, como aquelas noites brancas pintadas a quatro pernas.
Em Lisboa, acabei a dormir à la Ljublana. Com exceção de uma certa noite, passada num décimo andar do mesmo bairro do aeroporto, de cujo terraço conseguia ver de que companhia eram os aviões que aterravam ou levantavam voo da Portela.
Já a última noite de Dublin, passei-a também rente ao aeroporto e em parte na Polónia. Mais propriamente, na Silésia, com direito a queijo, pierogi e a passaporte perdido e reencontrado num período de pânico que durou duas duras horas.
Chegados então a ti, ou à hora de  ti partir, cabe-me a posteriori contar que tenho dormido nas Canárias.  Por precisar de me abastecer desse lago imenso que se chama Atlântico e de voltar a aquecer-me com o mais tradicional modo: o do atear o fogo através do corpo. 
Trata-se então do pior do tipo de cornos: os caseiros. Sem precisar de pretextos para ir dar uma volta, de lugares longínquos ou capitais deste continente ou do outro e onde o mundo acontece. 
Ao menos, não voltei a deixar as cuecas esquecidas no hotel, mas um propositado preservativo na esquina. 
Enfim, eu sempre preferi ilícitas atividades na esquina aos restaurantes chineses ao virar da dita.