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Tuesday, October 21, 2014

Trigésima Primeira Epístola


Centro da cidade de Kutaisi - Geórgia, Vitor Vicente, Setembro de 2014

Dear K.,

Quem questionar o porquê de te visitar é porque se ainda encontra longe de me conhecer.
Para começar, devia-se ter perguntado porque vivo eu em Katowice. Porque quem decide vir viver para um cidade como Katowice facilmente pode vir a dar uma volta a uma cidade como tu. Como se entre ti e Katowice se estendesse uma ponte estreita e trémula por onde muitos poucos podem passar.
Poucos, esses que são tidos por loucos na mente pequena e estreita dos tontos.
Tontos à parte, devo o ter chegado a ti a Katowice. Como se este caminho fosse uma conquista. Parte de um ciclo, começado há um ano atrás, ao ter voado para Varsóvia. 

Monday, October 13, 2014

Trigésima Epístola

Outono dourado - Katowice, Vitor Vicente, Setembro de 2014


Dear K.,

No começo, foram alguns cabelos agarrados à almofada. Depois, um casaco de couro. Já mais tarde, pedaços de pele no colchão. Pelo meio, ocasionalmente, colares. Por fim, uma caixa de fósforos.
Parece uma sequência sinistra, Que tanto tem de serial killer, como de detetive que anda no encalço do dito, a tentar interpretar os sinais.
No caso, há o sinal que tens no canto da boca. Para onde apontei com o dedo, antes do nosso primeiro beijo. Esse inesquecível sinal, como os inesquecíveis são os sinais que deixámos pela cidade e pelo meu insignificante micro-quotidiano. Para ser sincero, esta cidade está impregnada com os nossos sinais. Nela navego à deriva e a isso digo ser liberdade, que é como os seculares tendem a chamar a não existirem escolhas, nem sombra de dignidade. Eu cá chamo-lhe puzzle imperfeito, a que falta a peça fulcral.
Mas é bem feito. Ninguém me mandou levar tão a sério essa solene cerimónia de sangue que celebrávamos na hora da carne. Levei essa aliança sanguínea demasiado longe. Confundi o ato do amor com uma lição de anatomia.
Começou com cabelos e fez-se casaco de couro. Espalhou-se pelo colchão em pedaços de pele e em ocasionais colares. Até que culminou numa caixa de fósforos. Na realidade, assim me foste avisando que o teu corpo é tão quente por nele transportares um rastilho. Eu só não entendia que, algum dia, tivesse que estoirar como estoirou. 

Sunday, October 12, 2014

Vigésima Nona Epístola

Bazar de Kutaisi, Vitor Vicente, Setembro de 2014


Dear K.,

Escrevo-te de um quarto de hotel em Kutaisi. Onde o teu sangue errante, esta tarde, chegou até mim. 
Escrevo-te com uma esferográfica de tinta azul. No entanto, ao olhar para o papel -sim, porque eu primeiro ainda escrevo no papel - sinto que escrevo com o teu sangue e, por com o teu sangue escrever, sinto que canto o teu sangue e transformei o papel numa pauta de música.
Perante tudo isto, pasmo. Depois, penso porque tu, Gypsy-Jew, juntamente com a Polónia e a Geórgia, me apareceram nas sombras de um sonho Silesiano. Pergunto-me também pelo que me trouxe até uma cidade como Kutaisi, enquanto o novo single de Leonard Cohen e algum album dos Orkestina continua a fazer-se ouvir dentro de mim. 
Não consigo chegar a conclusão nenhuma, senão que o Cáucaso tem o quê de minha casa e, nessa condição, também de minha causa. 
Também me sinto na condição de dizer que no teu sangue subsistem, acima de tudo, o Silesiano, o Semita e o Cigano. Não necessariamente por esta ordem, pois tanto o segundo como o terceiro tendem a ser irrequietos, a sair do seu sítio e a trocar de posição ou permanecer na mesma por mera traquinice ou teimosia. Quanto ao Francês, de tão frouxo, foi-se, ou pouco mais ficou do que a força sem graça de um galo a anunciar mais uma aurora a um mundo que não lhe faz caso. 
Antes os nossos antepassados que erguiam, aurora atrás de aurora, uma tenda em todas as terras. Antes o antigo calor do teu corpo, a aquecer-me até à altura das estrelas. 

Saturday, October 11, 2014

Vigésima Oitava Epístola

Morskie Oko (Olho do Mar) - Zakopane, Vitor Vicente, Setembro de 2014


Dear K.,

Zakopane rima com fim de semana. Eis o mote para que, pela poeira da estrada fora, se possa começar a fazer poesia.
Zakopane combina connosco. Zakopane combina com um fim de semana com travo de viagem - e por viagem entendo eu aqueles dias em que a vida são dois divinos dias.
Eis outra equação, a que se atravessará ao longo de toda esta epístola.
Posto isto, para que esta epístola escorra, apenas me resta ir atrás do teu sangue errante e ver o que se esconde atrás das mil e uma montanhas de Zakopane. Sejam lagos que nos olham nos olhos como esquivos espelhos, seja a cidade feita de casas construídas com madeira e queijo.
Para terminar, o tempo sem termo que se tende a experimentar nas águas tépidas das termas. Quatro asséticas horas em que me senti tão quente, como quando me aqueço com o teu sangue errante.
No regresso, a promessa de partilhar mais um partida. Ou não estivesse no nosso horizonte a itinerante Terra Prometida.