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Thursday, December 25, 2014

Quedragésima Segunda Epístola

Parque dos Três Lagos - Katowice, Vitor Vicente, Dezembro de 2014


Dear K.,


Eu nunca te disse isto. Na verdade, não o contei a quase ninguém. Trata-se até de um quase-segredo. Isto de que, desde que cá cheguei, tenho escrito uma sequência de sonetos a que chamo de Sonetos Silesianos.
Foram sobretudo escritos no perímetro do teu corpo, assim como no da terra para onde partirei dentro de uma semana. Por eu pensar que tudo era pertença da Silésia. Ser Silésia até o geograficamente é. Ou, pelo menos, poderia ser. Pois já o foi. Pois as tuas e as fronteiras da vizinhança, ao contrário das do meu pasmaceiro país, jamais foram estáveis.
Ciente disso, continuei a escrever sonetos silesianos a partir de Cracóvia. Como cheguei a pensar fazê-lo, algum dia, de Wroclaw. Porque à poesia está permitido mentir, mas aos postais não. 
Okay, agora sei que Silésia não significas somente tu, mas todas as cidades que em ti desaguam. És como o rio, cujo caudal é conduzido por todas às cidades que são tuas afluentes e que te tornam tão influente e, por isso, tão importante. Graças a essa conexão de cidades-canais, podes-te equiparar a uma grande cidade onde os poetas se podem perder e içar-se de volta à vida através do exorcismo do verso. 
É essa a essência de soneto - ser capaz de encontrar uma certa cadência de passos em cada palavra para provar que a perfeição é uma ordem tão válida quanto aquela em que o caos está simplesmente oculto. Ou então tudo isso não passa uma invenção da minha cabeça e só na minha cabeça se passou o acontecimento de eu ter estado, durante seis meses, na Silésia.
Ah a insuperável sensação de saber que se está a saborear o que só se supunha ser alcançável através dos sonhos, ah soberba sonâmbula!

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