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Tuesday, December 23, 2014

Quadragésima Epístola

Galeria Katowicka, Vitor Vicente, Dezembro de 2015


Dear K.,

Não sei se aprendemos mais em viagem, se a viver enquanto expatriados. Estou, contudo, certo que a combinar as duas condições, a de viajante e a de expatriado, se aprende muito, muitíssimo. Como se todo um mundo pudesse caber numa só cabeça.
Também estou certo que não aceitarei mais que nada nem ninguém diga mal de ti na minha frente. Se o fazem nas minhas costas, é uma questão de tempo para fazer o que farei com quem o faça à minha frente: lutar. Literalmente, corpo a corpo.
Não como quem protege a amante, mas defende algo que lhe é fraterno. Por me ser instintivo exigir de ti o que exijo a mim e aos meus. Por te execrar quando não o logras. Por te detestar quando me mostras os meus e os defeitos dos meus.
Deve ser por isso que me é difícil continuar a dormir contigo. Por tanto a Silésia se parecer à Margem Sul do Tejo e eu sofrer do nómada complexo de não conseguir adormecer sossegado entre as quatro paredes de casa.   
É então claro que quero Cracóvia - perdoa-me, mas nenhuma cidade se compara a Cracóvia - como antes queria Lisboa.
Custa-me que isto te doa. Perdoa-me. Perdoa-me como eu não irei perdoar os polacos e não-polacos que insinuem que sejas um fosso sem graça, um buraco negro. Eu é que os lançarei para um fosso sem fundo ou lhes cobrirei o corpo com nódoas negras. Poderão escolher. Como eu te voltaria a escolher para parte integrante do meu itinerante exílio.   

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