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Monday, November 10, 2014

Trigésima Quarta Epístola

Rio Coina com fábricas ao fundo, Vitor Vicente, Outubro de 2014

Dear P.,


Às vezes, tenho a impressão de que entrei dentro de ti há muito tempo - há mais tempo do que, legalmente falando, me encontro entre as tuas fronteiras.
Não é uma impressão nova ou de agora. Apenas acabou por ser acordada pela simples garrafa de água da passageira que vai sentada à minha frente. 
Como disse, é uma garrafa de água. Simples, sem gás, sem nada, e de nascente polaca. Que eu costumo ver pelos supermercados de Katowice, assim como era presença habitual nas lojas polacas da Irlanda e -também  posso imaginar - que esteja espalhada pelos quatro cantos de Chicago.
Desta água eu bebi várias vezes em Dublin. Seja em casa dos meus amigos polacos, seja no ginásio. Algo que, hoje, eu vejo como que já estava adivinhado que o meu caminho por ti seria traçado. Por já, atempadamente, por ti ter sido atravessado.
No entanto, tenho que assinalar que jamais sonhei com o tanto que a Silésia se parece à Margem Sul do Tejo. Ambas as regiões foram bastiões do Comunismo e, como o dito regime se destaca pela falta de originalidade, acaba por ser natural que tanto se pareçam. Tanto assim que os comunistas têm o mérito de conseguir irmanar mundos tão distintos como Cuba e a Coreia do Norte.
Talvez eu e tu comunguemos um comunismo recalcado. Que simultaneamente me segura na Silésia e me aponta a porta de saída. Que me faz sentir o conforto de casa e ao mesmo tempo me sufoca. Quem é que te disse que pareceres-te tanto a minha casa seria meio caminho para permanecer entre as tuas quatro paredes? Para um errante a porta de qualquer país está sempre aberta. Seja para entrar, seja para sair.  

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