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Saturday, November 22, 2014

Trigésima Oitava Epístola

Estação central - Katowice, Vitor Vicente, Novembro de 2014


Dear K.,

Chegam-me os dedos de uma mão para contar o número de meses em que me encontro aninhado no teu seio. Somo todos os dedos da outra mão e obtenho o tempo exato em que sou parte da tua paisagem.
São então cinco meses e cinco dias. Que, neste momento, à falta de melhor metáfora, me parecem cinco dias e cinco noites. Assim dito, parece uma semana de dias úteis. Mas eu antes diria que se assemelha, dado o permanente pasmo e à sequela de aborrecimentos e  de surpresas, ao tempo que dura um ciclo de cinema.
Em suma, trata-se do período suficiente para termos desenvolvido aquele tipo de paixão em que não importa que continuemos a dormir juntos ou que, amanhã, ao acordar, digamos adeus, até uma pendente próxima. Essa é - ensinamento que colhi contigo - a máxima de toda a sábia errância: não ser obrigado a ficar, nem ter porque partir e sempre saber que a pouca felicidade que nos é possível está sempre coberta por um qualquer teto de estrelas. 
Quem diz errância, diz nomadismo de lençóis. Diz qualquer prática de desprendimento que transforma qualquer cidade ou qualquer cama num qualquer cais. Num desses lugares que nos dão a liberdade de, uma vez lá termos atracado, nos agarrem por uma âncora que nos permite lá voltar e simultaneamente de lá sair.   
De ti, K, que não és banhada pelo mar, que tens um ribeiro que nem chega a ser primo de um rio, que consegues ser seca sem que haja um deserto por perto e por aqui quase não soprar o vento, de ti o que eu levarei é precisamente aquela âncora. Que será esse o teu eterno souvenir. Com o secreto significado de que, como por aqui não há turistas, os únicos que podem ser tidos por tais são os que por aqui encontraram uma espécie de emprego para poder argumentar com uma desculpa esfarrapada a razão de aqui ter vindo existir. 

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