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Sunday, October 12, 2014

Vigésima Nona Epístola

Bazar de Kutaisi, Vitor Vicente, Setembro de 2014


Dear K.,

Escrevo-te de um quarto de hotel em Kutaisi. Onde o teu sangue errante, esta tarde, chegou até mim. 
Escrevo-te com uma esferográfica de tinta azul. No entanto, ao olhar para o papel -sim, porque eu primeiro ainda escrevo no papel - sinto que escrevo com o teu sangue e, por com o teu sangue escrever, sinto que canto o teu sangue e transformei o papel numa pauta de música.
Perante tudo isto, pasmo. Depois, penso porque tu, Gypsy-Jew, juntamente com a Polónia e a Geórgia, me apareceram nas sombras de um sonho Silesiano. Pergunto-me também pelo que me trouxe até uma cidade como Kutaisi, enquanto o novo single de Leonard Cohen e algum album dos Orkestina continua a fazer-se ouvir dentro de mim. 
Não consigo chegar a conclusão nenhuma, senão que o Cáucaso tem o quê de minha casa e, nessa condição, também de minha causa. 
Também me sinto na condição de dizer que no teu sangue subsistem, acima de tudo, o Silesiano, o Semita e o Cigano. Não necessariamente por esta ordem, pois tanto o segundo como o terceiro tendem a ser irrequietos, a sair do seu sítio e a trocar de posição ou permanecer na mesma por mera traquinice ou teimosia. Quanto ao Francês, de tão frouxo, foi-se, ou pouco mais ficou do que a força sem graça de um galo a anunciar mais uma aurora a um mundo que não lhe faz caso. 
Antes os nossos antepassados que erguiam, aurora atrás de aurora, uma tenda em todas as terras. Antes o antigo calor do teu corpo, a aquecer-me até à altura das estrelas. 

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