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Friday, July 25, 2014

Décima Quinta Epístola

Spodek - Katowice, Vitor Vicente, Junho de 2014

Dear K. 

Vivo no teu seio há um mês, mas é como se tivesse vivido aqui toda a minha vida. Essa sensação é derivada do meu vasto conhecimento do mundo. Não, K, não tens com que te preocupar contigo. Não és mais, nem menos misteriosa do que as demais cidades. Sou só eu que, depois de ter passado pelas cidades dos cinquenta países que conheci, rapidamente capto o vai-vem, as várias vibrações que movem um perímetro de terra a que se logrou dar um nome próprio.
É certo que ainda me perco a traçar caminhos dentro de ti. Tão certo como que me irei continuar a perder. Não entendo patavina do teu idioma, apenas uma palavra ou outra. O suficiente para saber que, por mais que aprenda o teu linguarajar, se assim o quiser, sempre estarei nalgum lugar, longe, onde tudo possa reduzir a ruído humano.
Quero ainda acrescentar que me sinto estrangeiro e contente com esse estatuto. Que, pela primeira vez, existem os da casa e poucos patos bravos como eu. Que, por mais que me custe ter que andar uma hora de autocarro até Cracóvia e de lá nunca me apeteça voltar, quando regresso, sei que é no teu seio que me quero aninhar. 
Tens o condão de me fazer sentir em casa, sem o sufoco que sente quem em casa está condenado a permanecer para sempre. Que o teu calor e até a tua comida imprópria para o calor, que os teus parques perigosos, assim como as tuas perigosas estradas, tudo isto, misturado, afinal me transporta até aquela casa de férias de que a criança que fui sempre careceu.
E tudo isto é compatível com o fato feérico de haver quem aqui viva como se aqui se pudesse viver a vida de todos os dias. Já não me espanto como me espantei com quem burguesmente morava em Barcelona. Conheço demasiado mundo para captar quase todas as cidades em cinco dias. Leio o singular através do arquétipo. O que foi também o fruto das horas que passei a estudar Filosofia. Bebo dessa fonte, sem que pouca gente perceba porquê. Lá está, quedam-se pelo particular, pelo comezinho e ainda se acham os maiores por limparem o cu a papel higiénico devidamente reciclado. 

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