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Wednesday, July 23, 2014

Décima Quarta Epístola

As tentações de Katowice, Vitor Vicente, Julho de 2014

A ti, D., me dirijo, na derradeira noite neste décimo andar. Noite em que, esperava, estar a escrever algo mais elevado, muito mais elevado do que isto. Algo do tipo: "do alto deste décimo andar me despeço" e assim se parecesse à epístola de um suicida, pois todas as despedidas têm o seu quê de luto.
De luto ficamos nós quando não matamos o desejo. Mais ainda quando ficámos a um pequeno passo. 
Ainda no táxi, eu vi quatro long legs, de calções, a aproximarem-se do que, nessa noite, ainda seria o meu prédio. Na hora, pensei se, por uma noite, ainda poderíamos partilhar o mesmo prédio, que é como quem diz o meu quarto.
Saí do táxi e senti as quatro long legs, mal grado a ausência de troc-troc, atrás de mim. Cheguei à porta alguns segundos antes delas, a tempo de a abrir: primeiro para elas, depois para mim. Sorriram.
Sorriram, de novo, quando as vi à entrada do elevador. Não me engasguei a perguntar se viviam aqui e a acrescentar que, assim sendo, seríamos vizinhos até amanhã. Perguntaram-me onde iria viver, confirmei onde era o meu novo bairro, congratularam-se com o fato de ser perto. Uma delas, que parecia mais embriagada em todos os sentidos, ainda me disse que queria ir a essa festa. Mas eu só disse que, por enquanto, estava no décimo andar. Até amanhã de manhã. Mas não frisei que é a festa era aqui e agora. Não as convidei a tomar cervejas que, por acaso, até tinha no frigorífico. E assim foi-se a festa.
E estas, dear D. ficam-me atravessadas. Não até amanhã de manhã, senão para sempre, pelo menos em todas as manhãs em que acorde sozinho perante a imensidão do mundo. Especialmente nessa derradeira noite no décimo andar em que, em vez de estar a escrever algo lírico, acabei por escrever algo que lastimo. À falta de ejaculação, valeu-me a escrita enquanto exercício de exorcismo. 

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